quarta-feira, 25 de junho de 2025

Quando o futuro envelhece

Em junho deste ano está sendo dedicado à conscientização e ao combate à violência contra a pessoa idosa. Para além da violência física, é fundamental sensibilizar a sociedade sobre outras formas de agressão que atingem esse público. A Constituição Federal estabeleceu um conjunto de direitos sociais que também alcançam as pessoas idosas, os quais foram detalhados no Estatuto do Idoso, em 2003. Mas até que ponto podemos ter a certeza e a segurança de que esses direitos estão sendo plenamente garantidos?

Pois bem, volto a reforçar que a sociedade precisa se debruçar com mais dedicação e compromisso sobre o cuidado com as pessoas idosas, tanto no que diz respeito às atitudes cotidianas quanto às ações efetivas do poder público para garantir a devida assistência. Nesse sentido, é importante destacar a existência de fundos públicos destinados ao financiamento de políticas voltadas à proteção e ao bem-estar da população idosa.

Por meio dos fundos públicos, que têm a capacidade de captar recursos privados, além de receber transferências de outros fundos e emendas parlamentares, é possível financiar políticas voltadas à melhoria da realidade social das pessoas idosas, especialmente daquelas em situação de vulnerabilidade.

Quando são jovens, as pessoas geralmente não se preocupam com o futuro, tampouco planejam a velhice por meio de uma poupança ou de investimentos em previdência privada. Acabam, assim, confiando exclusivamente na previdência social, que, por si só, muitas vezes não assegura a estabilidade financeira necessária para manter o padrão de vida e atender às necessidades da fase produtiva. É nesse contexto que se evidencia a importância de contemplar políticas públicas e recursos específicos na subfunção orçamentária voltada à assistência aos idosos.

O grande problema é que muitos agentes políticos, aqueles que elegemos para cuidar da sociedade, em inúmeros casos concretos, não demonstram preocupação com as políticas de assistência aos idosos. Para ilustrar essa realidade, dos 375 municípios paranaenses que já apresentaram seus relatórios anuais ao Tesouro Nacional, 99 não registraram qualquer despesa na subfunção orçamentária de assistência aos idosos. Em outras palavras, não executaram ações governamentais sistematizadas nessa área.

Vou além: a última vez que o município de Apucarana apresentou despesas com o financiamento de ações nessa área foi em 2013, como parte integrante do Plano Plurianual 2010–2013. De lá para cá, as iniciativas se limitaram à aplicação superficial de recursos no Fundo Municipal do Idoso, sem qualquer especificação de metas ou objetivos a serem alcançados. É como se essas ações fossem realizadas apenas para cumprir uma formalidade.

A Constituição prevê peças orçamentárias que exigem o planejamento das ações do setor público, acompanhadas das respectivas metas físicas a serem alcançadas. No entanto, é comum que os formuladores de políticas públicas simplifiquem essas exigências, substituindo as metas objetivas e concretas por meras aplicações de recursos financeiros.

Essa realidade já deveria ter mudado, pois o Brasil está consumindo o seu bônus demográfico e, em breve, será um país com uma população idosa superior à de jovens. Se já havia, no passado, a necessidade de ações efetivas de assistência aos idosos, no futuro próximo essa demanda será ainda mais urgente. A pergunta que fica é: será que, mais uma vez, nossos agentes políticos tratarão o tema como um problema secundário e apresentarão apenas soluções paliativas? Infelizmente, a aposta no descaso continua sendo a mais segura. 


quarta-feira, 18 de junho de 2025

A força dos números

Recentemente, presenciei uma fala da Secretária de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa, Leandre Dal Ponte, na qual ela destacou a importância de os formuladores de políticas públicas considerarem a demografia na concepção das políticas. Em sua fala, enfatizou especialmente a relevância da transição demográfica, conceito e fenômeno com o qual venho me preocupando e trabalhando há muitos anos.

Em meus estudos, reflexões e elucubrações, sempre considero a demografia como elemento fundamental para analisar e comentar eventos econômicos, bem como vejo que não é possível dissociar a ação pública da realidade demográfica. Essa perspectiva está evidenciada em meus textos e comentários já publicados. Em novembro de 2015, destaquei a decisão da China de permitir que as famílias tivessem um segundo filho sem punições, uma medida motivada pela transição demográfica, que vinha reduzindo o número de jovens e, consequentemente, envelhecendo a força de trabalho.

No mesmo mês e ano, destaquei as decisões dos governos paulista e paranaense de fechar algumas escolas e colégios devido à falta de alunos em determinadas localidades, também um reflexo do envelhecimento da população. Em janeiro de 2017, comentei que o envelhecimento populacional, embora represente um sinal positivo de aumento da longevidade, configura-se como o grande desafio do século, já que teremos menos jovens para produzir para uma quantidade cada vez maior de idosos.

Isso, naturalmente, gera um novo segmento consumidor: a população idosa. Além disso, altera a demanda por políticas públicas voltadas a esse grupo, o que exige dos gestores públicos atenção a essa transformação social no momento de conceber, planejar e implementar políticas públicas.

Não se deve contratar muitos professores por concurso público quando há uma expectativa de redução no número de alunos no médio e longo prazo. Por outro lado, é necessário ampliar a proporção de profissionais voltados aos cuidados com a população idosa em relação aos profissionais destinados ao atendimento de crianças e adolescentes. Em 2018, também comentei que, nos países desenvolvidos, a transição demográfica já havia atingido o quarto estágio, caracterizado por baixas taxas de mortalidade e natalidade. Com isso, o crescimento populacional tende a ser próximo de zero. O que já acontece com muitos municípios brasileiros.

Sem sombra de dúvidas, a questão demográfica deve permear todas as discussões políticas da atualidade. Nada pode ser planejado ou decidido sem considerar essas informações. Mesmo as empresas precisam observá-las ao decidir sobre o aumento da produção e da oferta de seus produtos. O marketing observa a demografia. Por isso, os formuladores de políticas públicas, seja em pequenos municípios ou em grandes metrópoles, também devem acompanhar atentamente os resultados do Censo e analisá-los com rigor, reconhecendo a riqueza das informações ali contidas como fundamentais para orientar a atuação dos gestores públicos.

O gestor que não se preocupar, observar e compreender os eventos demográficos está fadado a ser considerado incompetente. Por isso, todos os analistas, formadores de opinião, empresários, líderes comunitários e membros da sociedade civil organizada devem cobrar dos agentes políticos o entendimento e o acompanhamento dos movimentos demográficos, bem como a justificativa das decisões e políticas propostas com base nesses dados. Qualquer postura diferente disso pode ser classificada como imediatismo político, e o indivíduo, desconsiderado como uma alternativa eficaz para a escolha pública.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

O peso da reforma

A complexidade do sistema tributário nacional sempre foi alvo de críticas, que vão desde as alíquotas elevadas até a dificuldade para realizar cálculos, lançamentos, controles e pagamentos, tarefas que demandam um verdadeiro exército de contadores com diferentes especializações. Como se isso não bastasse, as empresas ainda precisam contar com um número expressivo de advogados tributaristas, frequentemente acionados para enfrentar o fisco em defesa contra abusos e excessos das administrações tributárias.

Além das tarefas hercúleas envolvidas na gestão tributária das empresas brasileiras, os custos decorrentes desse processo são, em geral, excessivos e acabam onerando os preços finais de produtos e serviços, comprometendo a competitividade. No cenário do chamado “manicômio tributário”, manter-se adimplente com as múltiplas coletorias é um desafio constante, o que há décadas motiva contadores e empreendedores a reivindicarem uma reforma tributária, agora finalmente anunciada pelo governo federal como a resposta às antigas demandas do setor produtivo.

O que deveria ser a redenção para aqueles que há tanto tempo clamavam por mudanças começa a se transformar em motivo de preocupação para as empresas situadas em território nacional. A reforma, que tinha como promessa central a simplificação do sistema tributário por meio da implantação de um imposto único, o chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), acabou tomando outro rumo. Para atender aos mais diversos interesses, os legisladores optaram por criar três tributos que substituirão a maior parte dos atualmente existentes.

Foram criados a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, que substituirá o PIS, a Cofins e o IPI, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, que substituirá o ICMS e o ISS. Como se isso já não bastasse, instituiu-se ainda o Imposto Seletivo (IS), um tributo adicional sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Na prática, não há uma real simplificação: além de apenas substituir cinco tributos por três, criou-se uma alíquota conjunta considerada excessiva por muitos especialistas e setores produtivos e ainda não definiram as formas de arrecadação.

E, como nada no Brasil pode ser simples e prático, a implantação e a transição da reforma tributária estão cercadas de incertezas para todos os envolvidos. Municípios com equipes mais qualificadas já demonstram preocupação com o rateio do produto arrecadado, pois, atualmente, existem regras claras e objetivas para a divisão da receita dos tributos federais e estaduais, conforme estabelece o pacto federativo. No entanto, a forma de repartição dos recursos no novo modelo tributário ainda está indefinida.

O fato é que muitos prefeitos começaram a se preocupar com os impactos da reforma. Nos municípios pequenos, onde historicamente havia pouco interesse na arrecadação do IPTU, já se observa um movimento em busca de alternativas para potencializar a receita desse imposto. Enquanto isso, municípios de porte médio e grande iniciam uma verdadeira disputa na definição das regras para o rateio do “bolo tributário”.

Diante de tantas incertezas e riscos, especialmente para os municípios, é urgente que a sociedade desperte. A reforma tributária está em andamento, e seus efeitos podem ser muito diferentes do que foi prometido. Se a população continuar indiferente, acabará arcando com os prejuízos sem sequer entender o motivo. É o momento de debater, questionar e se envolver, antes que seja tarde demais.


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Inércia federal e estagnação

Até agora, a economia brasileira tem contado muito pouco com a eficiência, eficácia e efetividade da política econômica conduzida pelo governo federal para garantir um desempenho consistente. A situação se assemelha a uma “nau à deriva”, cujo timoneiro se recusa a assumir o comando. O que tem sustentado minimamente o funcionamento da economia é o esforço do setor produtivo que segue operando sem o respaldo efetivo das ações governamentais.

Dados do Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil (IBC-Br) apontam para uma expansão de 1,3% na atividade econômica no primeiro semestre do ano, comparado com o trimestre anterior. No entanto, temos que considerar como fundamental observar que grande parte desse desempenho positivo foi concentrada em março, o que indica que a recuperação ainda é recente e carece de maior consistência ao longo do tempo.

Mais uma vez, o setor agropecuário se destacou, registrando uma expansão de 6,1% na análise trimestral, seguido pela indústria, com crescimento de 1,6%, e pelo setor de serviços, com 0,7%. A arrecadação de impostos também apresentou alta de 0,7%. No acumulado de 12 meses, o desempenho do PIB, sem ajuste sazonal, ficou em 4,2%. No entanto, a expectativa para a evolução do PIB em 2025 é de apenas 2,0%. Esse cenário prospectivo está longe do ideal, uma vez que a economia brasileira necessita de um crescimento mais robusto para recuperar os níveis de atividade e bem-estar observados em 2014.

Uso o ano de 2014 como referência porque foi quando se desencadeou a crise fiscal no governo Dilma, que desorganizou profundamente a economia brasileira, revertendo muitos dos avanços e conquistas obtidos desde o início do século, especialmente durante o “boom” das commodities e a expansão da agroindústria. Como se não bastasse o impacto das decisões equivocadas daquele período, logo em seguida enfrentamos a pandemia e seus reflexos na economia global. Essa combinação explosiva resultou em um aumento vertiginoso do endividamento do setor público, além de inaugurar uma nova sequência histórica de pressões inflacionárias e elevação das taxas de juros.

Não obstante, ainda deveríamos manter a esperança de que a retomada das políticas públicas possa representar a principal alternativa para reverter a queda na qualidade de vida dos brasileiros. No entanto, a crescente dependência do governo federal em relação ao Poder Legislativo, especialmente no que se refere à destinação de uma parte significativa do orçamento público por meio de emendas parlamentares, muitas vezes desconectadas das ações e metas previamente planejadas, compromete essa esperança e causa uma interrupção indesejada nas políticas públicas essenciais.

O que tem contribuído para manter, em parte, a qualidade de vida da população são algumas iniciativas pontuais na condução das políticas fiscais adotadas por alguns estados e municípios. Esses entes vêm buscando uma gestão mais rigorosa das despesas, com o objetivo de garantir recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura, que representa uma das maiores carências da economia brasileira.

Diante desse cenário, é inegável que o governo federal precisa fazer muito mais do que tem feito. A inércia diante dos desafios estruturais, a fragmentação do orçamento e a ausência de uma estratégia nacional clara para impulsionar o crescimento revelam um Estado que se exime de liderar o desenvolvimento do país. Não podemos esperar que o setor produtivo ou os entes subnacionais sustentem sozinhos o peso da retomada econômica.


quarta-feira, 14 de maio de 2025

Entre o anúncio e a realidade

Na gestão pública, muito se fala em investimentos e, na maioria das vezes, o termo é associado à aplicação de recursos em áreas estratégicas como saúde, educação, segurança, entre outras. O investimento público corresponde aos gastos realizados pelo Estado com o objetivo de ampliar, manter ou melhorar a capacidade produtiva, os serviços públicos e a infraestrutura econômica e social.

As despesas públicas são classificadas em pessoal e encargos sociais, custeio e capital. As despesas de capital se subdividem em investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida. Investimentos envolvem obras e aquisição de bens permanentes. As inversões referem-se à compra de imóveis ou participações em empresas. Já as amortizações correspondem ao pagamento do principal da dívida pública.

Portanto, é importante destacar que nem toda despesa de capital configura um investimento, e os gestores públicos devem utilizar o termo com precisão, além de planejar os investimentos com foco na melhoria dos serviços prestados à população. Mais do que simplesmente ampliar o volume de investimentos, é essencial garantir que haja capacidade instalada, ou ao menos a possibilidade concreta de ampliá-la, para assegurar a manutenção e a operação eficaz dos serviços após a conclusão dos empreendimentos.

A construção de uma escola ou de uma Unidade Básica de Saúde só é estratégica e relevante se vier acompanhada do devido planejamento para sua operação. Há inúmeros exemplos de gestores que iniciaram diversas obras sem planejar adequadamente seu funcionamento. Não previram as contratações de pessoal, tampouco a aquisição de equipamentos e materiais permanentes. Em alguns casos, sequer dispunham de servidores para operar as novas estruturas. Para além da evidente incompetência no planejamento, tais condutas devem ser consideradas irresponsáveis, pois resultam na construção (ou início de construção) de equipamentos públicos que não podem entrar em funcionamento sem comprometer outras ações essenciais da administração.

Além do mais o investimento tem que se demonstrar importante e não somente ser anunciado pelo seu valor global, o que de forma geral impressiona qualquer munícipe. E é claro que o porte do município pode interferir no volume global e para evitar as distorções do “efeito-tamanho” dos municípios e os tornarem comparáveis basta efetuar a análise dos indicadores dividindo o valor nominal pela população total. Assim podemos comparar municípios grandes com os pequenos.

Tive a curiosidade de verificar os valores do investimento por habitante de alguns municípios da região nos últimos três anos e não me impressionei em identificar que os valores ficaram entre os menores do estado. Muitos analistas ou mesmo muitos agentes políticos analisam somente a relação do investimento com o gasto total do município, mas isto não basta. Tem que se analisar o déficit desses equipamentos públicos e avaliar as reais necessidades da população. Apresentar grandes cifras é importante, mas mais importante ainda é que os valores investidos sejam efetiva e positivamente impactantes na sociedade.

Investir não é apenas gastar, é planejar com responsabilidade e garantir resultados reais para a população. Obras sem operação e cifras sem impacto são sinais de má gestão. Como disse Keynes, “a dificuldade não está nas novas ideias, mas em escapar das antigas”. Dentre as ideias antigas temos a de que quantidade importa mais que qualidade. O que se espera dos gestores é menos propaganda e mais efetividade.

 

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Planejar para não falhar

A execução das políticas públicas é uma atividade complexa que exige articulação entre diferentes setores da administração, respeito aos marcos legais e atenção às reais necessidades da população. No entanto, o que deveria ser um exercício racional de antecipação e preparação tem se tornado um retrato da improvisação e da falta de planejamento no setor público. Isso se traduz em atrasos, falhas na entrega de serviços essenciais e uma percepção generalizada de ineficiência da máquina pública.

No centro desse problema está a ausência de um planejamento estruturado e com a devida antecedência. No setor público, qualquer ação concreta, desde a entrega de uniformes escolares, a realização de exames médicos até a recuperação de vias públicas ou a reforma de escolas exige um processo de compras e contratações que deve seguir rigorosos ritos de legalidade, impessoalidade e publicidade. Isso significa que não basta querer fazer, é preciso prever, planejar e cumprir prazos formais.

A legislação que rege as licitações e contratos administrativos impõe etapas obrigatórias antes da emissão de ordem de compra ou serviço. Esse percurso, em média, consome mais de 90 dias, podendo se estender ainda mais em casos de contratações complexas ou com alto valor agregado. E mesmo após finalizado o trâmite, o fornecedor ou prestador de serviço ainda dispõe de seu próprio prazo contratual para entregar o objeto ou executar a tarefa, o que pode levar semanas ou meses.

Diante dessa realidade, os gestores públicos precisam fazer o dever de casa e planejar com antecedência. Atrasos na entrega de uniformes escolares, por exemplo, são um sintoma claro da negligência no planejamento. Se a meta é entregar os materiais no início do ano letivo, o processo licitatório precisa estar iniciado, no mínimo, seis meses antes, ou seja, no ano anterior. Isso também se aplica à todas as contratações, pois sem planejamento orçamentário, cronograma definido e pactuação prévia, os atrasos se tornam inevitáveis. E isso penaliza o cidadão, sobretudo o mais vulnerável, que depende exclusivamente dos serviços públicos.

A falta de planejamento, além de gerar ineficiência, contribui para o descrédito das instituições públicas. Não são raras as situações em que ações anunciadas não saem do papel ou chegam tarde demais. Isso não se deve à falta de recursos ou de boa vontade, mas à ausência de organização, previsibilidade e compromisso. Gestores que deixam as ações “correrem soltas”, sem cronograma, sem planejamento, acabam desperdiçando tempo, dinheiro e, principalmente, a confiança da população.

A crítica não deve ser apenas direcionada ao passado, mas deve servir de alerta para o futuro. Aos novos gestores cabe a missão inadiável de reconstruir essa cultura do planejamento, reorganizar a execução das políticas públicas e instituir práticas de governança que garantam continuidade, previsibilidade e eficiência. Planejar não é uma opção, é uma necessidade. E mais: é um dever ético, legal e moral do gestor público. A Constituição de 1988 já determina que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nenhum desses princípios se sustenta sem planejamento.

É necessário reafirmar, com todas as letras que “o planejamento é a principal virtude de qualquer gestor”. A boa administração começa antes da execução, com a previsão, o estudo de viabilidade, a definição de prioridades e a organização dos meios. Sem isso, o gestor não administra, apenas reage.


quarta-feira, 30 de abril de 2025

Quando o poder serve aos seus

No Brasil, onde a desigualdade social é crônica e a carência de investimentos em áreas essenciais é gritante, alguns agentes políticos insistem em transformar o dinheiro público em instrumento de favorecimento pessoal e político. A gestão irresponsável dos recursos não é apenas um sintoma da velha política patrimonialista, mas uma ameaça concreta à saúde fiscal do país.

Exemplo recente foi a crise no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em abril, investigações revelaram um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias e pensões, atingindo a cifra de R$ 6,3 bilhões. O presidente do INSS acabou demitido. Mais grave foi a postura do Ministro da Previdência, Carlos Lupi, que tergiversou sobre as responsabilidades e abriu caminho para que uma deputada propusesse simplesmente a devolução dos valores aos prejudicados.

Em paralelo, assistimos ao espetáculo das comitivas presidenciais inchadas. Para eventos internacionais, enquanto líderes de nações ricas ou emergentes enviam delegações enxutas, o Brasil ostenta a ostentação: para o velório do papa Francisco, a comitiva presidencial somou cerca de 20 integrantes. Na Assembleia Geral da ONU, em 2024, a missão brasileira contou com cerca de 100 pessoas, segundo levantamentos oficiais. É o “espírito de casa cheia” financiado pelos cofres públicos, demonstrando que, para certas autoridades, a festa é sempre paga com o dinheiro alheio.

As previsões para as contas públicas brasileiras são sombrias: o déficit primário volta a crescer, indicando que o governo gasta muito mais do que arrecada. O déficit nominal, que inclui os encargos da dívida pública, também sobe, agravando o quadro. O resultado é o aumento da relação dívida pública bruta sobre o Produto Interno Bruto (PIB), que, segundo o próprio Banco Central, poderá ultrapassar 87% até 2027, empurrando o país para o limiar da insustentabilidade fiscal.

Essa gastança irresponsável, em vez de impulsionar o crescimento econômico, mina a confiança, afasta investimentos e gera riscos de aumento de impostos, penalizando justamente os mais pobres. E o exemplo de Brasília contamina estados e municípios. Recentemente, assistimos a casos emblemáticos como a aprovação de reajustes salariais que comprometem a capacidade financeira em estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além da multiplicação de estruturas administrativas inchadas em prefeituras de médio porte. Muitas administrações locais operam no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, com gastos de pessoal ultrapassando os limites permitidos da receita corrente líquida.

Esses desmandos mostram que o problema vai além da União e que há uma cultura de uso predatório dos recursos públicos em todas as esferas de governo. E aqui entra o conceito fundamental de controle social que estabelece que sem a fiscalização ativa dos cidadãos continuaremos a ver o dinheiro público sendo dilapidado por elites políticas que se comportam como donas do erário.

Gastar melhor não é capricho de tecnocratas, mas um dever de justiça social, responsabilidade com as futuras gerações e respeito aos que sustentam o setor público com seus impostos. A verdadeira grandeza de um governo não está no tamanho de suas comitivas nem na generosidade com aliados, mas na capacidade de servir ao bem comum com parcimônia e dignidade. Devemos buscar punir os agentes públicos que usam o poder para criar leis injustas e negar a justiça aos pobres, eventos comuns no Brasil de sempre. Devemos cobrar retidão, equidade e respeito aos mais vulneráveis.


quarta-feira, 23 de abril de 2025

Por que a produtividade não decola?

A análise da produtividade do trabalho é um espelho revelador da capacidade de uma economia em gerar riqueza a partir da força de trabalho disponível. Em estudo recente, conduzido com base nos dados do PIB e do emprego formal entre os anos de 2011 e 2021, é possível observar com precisão desconfortável o que os números ajustados insistem em dizer: estamos presos em um ciclo de estagnação estrutural em produtividade.

Tomando como referência a produtividade do trabalho, dividindo-se o PIB dos municípios pela força de trabalho formal, nota-se que, apesar do crescimento absoluto em diversos municípios da região, a evolução relativa é decepcionante, com metade dos municípios da região do Vale do Ivaí ficando abaixo da mediana do estado, que ficou em 0,7% ao ano. Apucarana, por exemplo, apresentou uma taxa geométrica anual de crescimento da produtividade de apenas 0,6% ao ano, empatada com Jandaia do Sul. Ivaiporã apresentou uma taxa anual de 0,5%.

Os melhores resultados da região ficaram com São Pedro do Ivaí (1,3%), Rio Branco do Ivaí (1,2%) e Lunardelli (1,0%). Porém, esses resultados devem ser analisados com ressalvas pelo fato de que ocorreu uma forte redução dos empregos formais. Em São Pedro do Ivaí, por exemplo, o emprego formal no ano de 2021 estava inferior à metade do total do ano de 2011. Esses dados precisam ser estudados sobre outras perspectivas, pois há possibilidade de redução de acesso aos direitos sociais com a redução do emprego formal. 

Dos municípios paranaenses que apresentaram evolução da produtividade acima da mediana estadual e que tiveram aumento dos empregos formais podemos destacar Jussara, Ribeirão do Pinhal, Iracema do Oeste e Florestópolis, entre outros. No Vale do Ivaí somente Ariranha do Ivaí e Kaloré apresentaram esse desempenho, revelando trajetórias mais dinâmicas. O que explica essa disparidade?

A resposta, ao menos em parte, está no acúmulo de omissões estratégicas. As políticas públicas têm ignorado as mudanças demográficas, tecnológicas e organizacionais que reconfiguram a produtividade nas economias mais dinâmicas. A região do Vale do Ivaí, com sua histórica vocação agroindustrial, poderia estar liderando um novo ciclo de inovação, aproveitando as oportunidades da digitalização do campo e da agregação de valor industrial. Mas não: temos planos de desenvolvimento genéricos, focados em eventos pontuais e programas de incentivo fiscal que pouco estimulam o ganho de produtividade.

Em outro estudo em que participei no ano de 2024 é destacada a importância do perfil etário da força de trabalho, reforçando que o envelhecimento sem renovação qualificada tende a reduzir o dinamismo produtivo. Estudos internacionais mostram como o envelhecimento da força laboral pode impactar negativamente o crescimento da produtividade total dos fatores. No caso do Vale do Ivaí, a ausência de políticas voltadas à qualificação contínua da mão de obra, ao fomento à inovação e à modernização dos processos produtivos apenas aprofunda esse quadro de baixa eficiência.

É legítimo, portanto, perguntar: o que, de fato, estamos fazendo para mudar esse cenário? Onde estão as estratégias integradas entre governos locais, universidades e instituições de ciência e tecnologia que possam impulsionar a produtividade nos setores com maior vocação econômica? O Vale do Ivaí precisa deixar de ser um coadjuvante nas estatísticas do atraso para protagonizar sua própria história de transformação ou continuará sendo apenas mais um número no retrato da estagnação.


quarta-feira, 16 de abril de 2025

Entre os dados e as decisões

Nos últimos anos, o ensino técnico profissionalizante passou a ocupar um espaço importante na agenda educacional e de desenvolvimento do país. No Paraná, o número de alunos matriculados nesses cursos cresceu 41,7% nos últimos dez anos. Em Apucarana, o avanço foi de 45,6% e em Arapongas ocorreu um expressivo aumento de 67,7%. Em contrapartida, Jandaia do Sul registrou uma redução de 15,1% no número de matrículas. Esses dados, por si só, já indicam um caminho que merece reflexão: não basta aumentar ou diminuir a oferta de vagas. É preciso qualificar esse crescimento com planejamento e coerência com a realidade econômica regional.

A ausência de um alinhamento entre os cursos técnicos ofertados e as reais demandas do mercado local tem um custo social, econômico e humano muito alto. Quando se formam dezenas ou centenas de jovens em áreas sem absorção regional, o resultado é a frustração de expectativas e a formação de um contingente de profissionais que, embora tecnicamente qualificados, acabam empurrados para funções que não exigem nenhuma qualificação. Esse descompasso perpetua o ciclo do subemprego, onde jovens com formação técnica passam a ocupar postos informais, com baixa remuneração, sem proteção social e longe de exercerem plenamente seu potencial produtivo.

O caso de municípios que ofertam cursos técnicos em áreas como turismo, informática ou eventos, sem qualquer estrutura local para absorver esses profissionais, é ilustrativo. Os egressos, sem oportunidades nas suas áreas, buscam vagas em centros urbanos maiores ou acabam aceitando empregos fora do perfil técnico adquirido. A cidade perde em produtividade, o jovem perde em motivação, e o Estado desperdiça recursos que poderiam ter sido direcionados com mais eficácia.

Mais grave ainda é o impacto disso no longo prazo. O jovem que se vê subempregado após anos de estudo técnico tende a desacreditar no valor da educação e a se distanciar de novos ciclos de qualificação. Esse afastamento provoca o enrijecimento da mobilidade social e reforça desigualdades históricas. O subemprego, quando reiterado, não é apenas um problema individual. É um sintoma de desfuncionalidade sistêmica que compromete a competitividade local.

E se há municípios, como Arapongas, que têm conseguido crescer alinhando formação técnica com vocações locais, como o setor moveleiro e de design industrial, há outros, como Jandaia do Sul, que, mesmo com potencial em áreas como agroindústria, biotecnologia e logística, não conseguem consolidar uma política consistente de formação de mão de obra. Isso mostra que o problema não está na ausência de demanda, mas na ausência de planejamento estratégico.

Em países desenvolvidos, o ensino técnico é instrumento de política industrial. A Alemanha adota o sistema dual, integrando escola e empresa. O Japão direciona sua formação técnica para setores prioritários de sua economia. A Finlândia vincula a educação profissional aos ecossistemas regionais de inovação. Em todos esses casos, a formação de mão de obra é vista como elemento prioritário.

No Brasil, ainda precisamos abandonar a lógica da improvisação. Não basta oferecer cursos para preencher estatísticas. É necessário um pacto federativo que envolva municípios, estados, setor produtivo e instituições de ensino, voltado a mapear demandas regionais e prever tendências de mercado para definir o que e onde formar. Só assim romperemos com o ciclo do subemprego e daremos à juventude o que ela realmente precisa: trabalho digno, oportunidade e pertencimento.


sexta-feira, 11 de abril de 2025

O elo perdido

Em tempos de desconfiança generalizada com a política e o setor público, falar sobre impostos ainda soa como tabu. Para uns trata-se de um mal necessário e para outros de um fardo injusto. Mas poucos se dão conta de que, para além da carga tributária, existe um componente essencial para o bom funcionamento da máquina pública: a cidadania fiscal. Esse conceito implica em corresponsabilidade, vigilância ativa e consciência de que cada ação individual tem reflexos no coletivo.

Cidadania fiscal é, em termos simples, o exercício da responsabilidade cidadã no que se refere às obrigações tributárias. Ela se manifesta no ato de pedir nota fiscal ao comprar um bem ou serviço, no acompanhamento dos gastos públicos e na cobrança por transparência e eficiência por parte dos gestores. É, em essência, a compreensão de que o dinheiro que financia escolas, hospitais, estradas e segurança pública não vem do nada.

Quando um cidadão exige a nota fiscal de uma compra, está garantindo que aquela operação seja registrada e, portanto, tributada conforme a lei. Pode parecer um gesto pequeno, quase insignificante. Mas é exatamente nessa cadeia de pequenos gestos que se estrutura o financiamento do Estado. Municípios, estados e a União dependem da arrecadação para manter e expandir as políticas públicas. E quando essa arrecadação falha, por evasão ou sonegação, todo o conjunto da sociedade paga a conta, inclusive quem acredita estar “se dando bem” ao não cumprir as regras.

Claro que existem outras formas de financiar políticas públicas. O endividamento é uma delas, mas não é sustentável a longo prazo. Governos que se endividam em excesso comprometem gerações futuras e criam ambientes econômicos instáveis, com altas taxas de juros, fuga de investimentos e perda de credibilidade. A senhoriagem, que é a emissão de moeda para cobrir despesas, é uma tentação perigosa. Em economias em desenvolvimento, como a brasileira, imprimir dinheiro além do necessário desvaloriza a moeda, gera inflação e corrói o poder de compra dos mais pobres.

Em meio a uma demanda crescente por serviços públicos é necessário que os gestores públicos tracem cenários realistas e sustentáveis. Criar programas e projetos para atender demandas momentâneas, sem planejamento de médio e longo prazo, é um erro grave. Pior ainda quando essas ações competem com políticas mais estruturantes, colocando em risco o equilíbrio fiscal e a própria continuidade de serviços essenciais.

Não se trata, portanto, de cortar despesas de forma indiscriminada, como se isso fosse a panaceia da gestão pública. Tampouco é razoável pensar em aumentar a carga tributária de um país já reconhecidamente pesado em tributos. A chave está na eficiência do gasto e na efetividade da arrecadação. É preciso gastar melhor, com mais planejamento, metas claras e avaliação de resultados. É preciso arrecadar melhor, combatendo com firmeza a evasão fiscal e a sonegação, que corroem a base de financiamento estatal e promovem injustiças gritantes.

Precisamos entender que viver em sociedade implica aceitar regras. A fiscalização, nesse contexto, não é uma perseguição ao cidadão ou ao empresário, mas sim uma ferramenta de equidade. Quem paga seus impostos corretamente não pode ser prejudicado pela conivência com quem burla o sistema. A convivência democrática exige equilíbrio entre direitos e deveres e a cidadania fiscal é uma ponte essencial nesse caminho. A verdade é que sem cidadania fiscal, continuaremos girando em falso, cobrando do Estado aquilo que, como sociedade, ajudamos a sabotar.