quarta-feira, 2 de outubro de 2024

O mundo paralelo dos governantes

Existe um fenômeno recorrente na política brasileira: a criação de uma narrativa de superioridade pelos governantes de plantão. Independentemente de quem assume o poder, parece haver um roteiro bem ensaiado, como se todos os problemas tivessem origem nos que os antecederam. A retórica é sempre a mesma: os que vieram antes nada fizeram, ou pior, fizeram tudo errado. Agora, tudo está mudado e, claro, para continuar ele deve ser reeleito ou seu indicado deve ocupar o cargo. Nessa narrativa, eles são os únicos salvadores da pátria, como se sem a sua presença as soluções econômicas e sociais fossem simplesmente inalcançáveis. Nesse jogo de poder, o governante atual é a “luz”, enquanto sem ele, tudo é trevas.

Esse discurso, porém, coloca em evidência uma desconexão gritante entre o mundo em que vivem muitos agentes políticos e o mundo real, habitado por nós, cidadãos comuns. Enquanto eles insistem em desenhar um cenário de progresso inquestionável, as pessoas enfrentam diariamente dificuldades que não são refletidas nas promessas de campanha nem nas narrativas de seus mandatos. Vemos uma realidade virtual, onde políticos criam feitos e progressos que parecem existir apenas em suas falas, e uma outra realidade, esta sim concreta, onde o povo lida com desemprego, falta de serviços públicos de qualidade e o aumento do custo de vida.

Talvez uma das maiores evidências desse “mundo paralelo” seja a forma como alguns políticos discutem o mercado de trabalho. Eles proclamam, com ar de triunfo, que vivemos um período de baixo desemprego, que em alguns estados e municípios existe até o pleno emprego. Propalam que há vagas de sobra e, portanto, não há desempregados. Mas quando olhamos de forma mais crítica, percebemos a falácia desse discurso. De fato, o que existe não é uma abundância de emprego para todos, mas sim uma falta de mão-de-obra qualificada. As vagas estão aí, dizem eles, mas a população não tem a qualificação necessária para preenchê-las. Portanto, o problema do desemprego persiste, embora camuflado pela retórica triunfalista de gestores públicos que parecem desconsiderar essa realidade.

Outro ponto de desconexão é a forma como muitos governantes tratam o orçamento público. Para eles, os recursos são infinitos, as contas públicas são um detalhe, e gastar é a prioridade. Quando questionados sobre o desequilíbrio fiscal, geralmente desviam o assunto ou lançam promessas futuras. Mas a verdade é que os déficits e dívidas criados por esses desmandos serão pagos pela sociedade, seja por meio de aumento de impostos, cortes em serviços essenciais ou piora nas condições de crédito do país.

O que nos resta, enquanto cidadãos, é buscar alternativas para controlar essa autonomia exacerbada dos agentes políticos. Precisamos de uma fiscalização mais rígida, de mecanismos que tornem a gestão pública mais transparente e, sobretudo, de mais participação da sociedade nas decisões que impactam diretamente suas vidas. Até que isso aconteça, uma das formas mais eficazes de minimizar os danos é escolher melhor os nossos representantes.

É nosso papel como cidadãos desconfiar das narrativas fáceis, questionar as promessas vazias e exigir mais responsabilidade e comprometimento daqueles que pedem o nosso voto. Como disse Rui Barbosa, “de tanto ver triunfar as nulidades, o homem chega a desanimar-se da virtude”. Que nos lembremos sempre da necessidade de estarmos atentos e críticos aos que governam, para que não nos conformemos com o mundo paralelo que eles tentam nos impor.


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Fumaça e responsabilidade humana

Sempre acompanhei nos noticiários o problema das queimadas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. A fumaça que tomava conta das áreas urbanas parecia algo distante, fora da nossa realidade. Nunca imaginei que um dia presenciaria isso em nosso país, muito menos na cidade em que resido. Hoje, porém, a fumaça das queimadas no Brasil, em nosso estado e município, está no ar que respiramos. Será essa, de fato, a nova realidade que teremos de enfrentar?

Nos acostumamos a ver desastres ambientais ao redor do mundo. A passividade com que observamos desastres ambientais em outros países é reflexo de uma percepção distorcida de que esses eventos jamais nos afetariam. Agora, esta tragédia é real. Não apenas estamos sendo afetados, mas também somos coadjuvantes em um drama global. A fumaça das queimadas está aqui, sufocante e visível. Isso nos mostra que as ações humanas têm consequências e que ignorá-las não é mais uma opção.

Recentemente, assisti a uma palestra do professor Marcellus Caldas, da Kansas State University, que trouxe um panorama sobre as queimadas nos Estados Unidos. Ele explicou que, em muitos casos, são necessárias para controlar áreas produtivas. Isso me pareceu contraditório, mas, com a explicação do professor, entendi a importância das políticas de prevenção e monitoramento, comuns nos Estados Unidos e na Europa. Lá, universidades, institutos de pesquisa e órgãos governamentais monitoram as queimadas, emitem alertas e orientam a população, algo que deveria ser mais valorizado no Brasil.

Aqui, temos o MapBiomas, uma iniciativa colaborativa que reune ONGs, universidades e startups. O MapBiomas faz o mapeamento anual da cobertura e uso da terra, além do monitoramento mensal da superfície de água e das cicatrizes de fogo. Uma consulta simples na plataforma mostra dados preocupantes: de 1985 a 2023, o Brasil acumulou uma cicatriz de fogo de 16,2 milhões de hectares, o que corresponde a 40% da floresta brasileira em 2023. Esse número representa 23,4% da área total do país.

No Paraná, a cicatriz de fogo acumulada foi de 834 mil hectares, equivalendo a 4,2% da área total do estado. Já na Região Imediata de Apucarana, o total foi de 5,8 mil hectares, representando 1,8% da área total e 84,2% da área não vegetada.

Esses dados são mais do que estatísticas: são um alerta para as consequências ambientais e econômicas das queimadas. Elas afetam diretamente o setor produtivo, prejudicando a agricultura e a pecuária, além de trazer riscos notáveis à saúde da população. Precisamos admitir que o ser humano é tanto responsável quanto vítima dessas práticas. É nosso dever cívico e humanitário combater essas ações, e isso inclui a valorização das universidades e centros de pesquisa que monitoram e estudam essas questões.

As universidades desempenham um papel estratégico ao produzir conhecimento e conscientizar a sociedade sobre os riscos ambientais. Elas são agentes fundamentais no combate à destruição ambiental, oferecendo soluções baseadas em ciência e evidências. Em um cenário de negligência ambiental, são elas que iluminam o caminho para um futuro mais sustentável.

Como sintetizado pelo pensamento do filósofo Hans Jonas sobre o princípio da responsabilidade, temos que ele deve se impor sobre todas as formas de ação humana que possam causar efeitos de longa duração sobre as condições de vida da humanidade e do planeta. O monitoramento e a responsabilização pelas queimadas deve ser prioridade. A responsabilidade é nossa, e o futuro depende das ações que tomarmos agora.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Futuro promissor ou estagnado?

A produtividade do trabalho é um indicador central para o desenvolvimento econômico. No Vale do Ivaí, os números revelados pela taxa de crescimento anual da produtividade do trabalho, considerando dados de 2010 a 2021 acendem um sinal de alerta nos municípios. Com uma taxa média nacional em torno de 1% ao ano, conforme dados da RAIS e do IBGE, e comparando com o desempenho de outros países, como os Estados Unidos (1,5% ao ano), a China (4% a.a.) e a Índia (5% a.a.), a situação regional mostra-se ainda mais preocupante.

De acordo com os dados apresentados, apenas São Pedro do Ivaí, com uma taxa de 0,75% a.a., e Rio Branco do Ivaí, com 0,72% a.a., apresentam números um pouco mais animadores, ainda que distantes do crescimento registrado por países asiáticos, que são referência em produtividade. Abaixo deles, municípios como Lunardelli (0,44% a.a.) e Kaloré (0,34% a.a.) ficam ainda mais distantes do ideal. Em contrapartida, municípios como Novo Itacolomi (0,01% a.a.) e Jandaia do Sul (0,07% a.a.) têm índices alarmantemente baixos, o que coloca em evidência a fragilidade da economia local e a ausência de políticas públicas eficientes.

Diante dessa realidade, a pergunta que precisa ser feita é: o que os gestores públicos municipais estão fazendo para reverter esse cenário? A criação e implementação de políticas públicas voltadas para o aumento da produtividade são essenciais para garantir a competitividade regional e a melhoria da qualidade de vida da população. É notório que os municípios do Vale do Ivaí, em sua maioria, ainda carecem de políticas estruturadas para apoiar setores como a agricultura, a indústria e o comércio e serviços. Não há dúvidas de que, sem um apoio consistente aos produtores rurais e às indústrias locais, a economia regional poderá estagnar.

A agricultura, que é um dos principais motores econômicos da região, precisa de suporte, assim como o setor industrial requer incentivos para inovação, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Quanto ao comércio e serviços, a ampliação de capacitações e a melhoria da infraestrutura são medidas que podem trazer um impacto imediato. Todos esses setores, somados, têm potencial para aumentar significativamente os índices de produtividade, gerando mais empregos, renda e desenvolvimento para os municípios.

Outro ponto a ser destacado é a qualidade dos serviços educacionais. A educação é a base de qualquer desenvolvimento sustentável, e o descaso com esse setor reflete-se, inevitavelmente, na baixa produtividade do trabalho. É preciso que os gestores municipais voltem seus olhos para a criação de um ambiente educacional de qualidade, que prepare os jovens para o mercado de trabalho e para serem mais produtivos em suas futuras ocupações. A ampliação das oportunidades de ensino, aliada à melhoria das condições estruturais e pedagógicas das escolas, são fatores indispensáveis para o crescimento econômico. Se não investirmos no aprendizado dos jovens hoje, amanhã estaremos condenados a repetir os erros do passado e perpetuar as baixas taxas de crescimento da produtividade.

Os números não mentem. A baixa produtividade do trabalho no Vale do Ivaí é reflexo direto da inércia das políticas públicas municipais. Há a necessidade de se repensar as estratégias de desenvolvimento local, com um olhar atento para a agricultura, indústria, comércio e serviços e, sobretudo, para a educação. Como bem disse o escritor francês Voltaire: “O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”.


quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Compromisso com a qualidade

Às vésperas de mais uma eleição municipal, a questão da ineficiência no uso dos recursos públicos deve ganhar destaque. O setor público brasileiro é conhecido pela sua capacidade arrecadatória, financiada pela população e pelas empresas por meio de uma carga tributária expressiva. No entanto, o que deveria resultar em uma eficiente prestação de serviços à sociedade, muitas vezes se traduz em má gestão e desperdício. Em grande parte dos municípios brasileiros, a aplicação dos recursos arrecadados é realizada de forma ineficiente.

A gestão pública, em muitos casos, falha não apenas em fazer o que deveria, mas também em se comprometer com o bom uso dos recursos disponíveis. Poucos são os gestores que realmente se preocupam em adotar uma postura de responsabilidade com o erário público, e a ausência dessa preocupação se reflete no baixo índice de qualidade dos serviços prestados.

Neste contexto, cabe à população exigir mais dos candidatos ao cargo de prefeito em 2024. É fundamental que os eleitores demandem um compromisso claro e transparente com a melhoria da qualidade do gasto público. Os gestores eleitos precisam adotar posturas que incentivem o controle social e a transparência. As contas públicas devem ser abertas ao escrutínio da sociedade, garantindo que os gastos sejam direcionados às áreas prioritárias e que tragam o máximo de benefício para a coletividade.

Infelizmente, muitos gestores públicos parecem desconhecer ou ignorar os princípios básicos de administração e não praticam a eficiência, a eficácia e a efetividade. A eficiência diz respeito à capacidade de realizar as tarefas da melhor forma possível, utilizando os recursos de maneira correta e sem desperdício. É fazer mais com menos. Este deveria ser o foco dos prefeitos: otimizar os recursos arrecadados, eliminando gastos desnecessários e garantindo que cada real seja usado de forma produtiva.

Já a eficácia está ligada ao cumprimento de metas e à entrega de resultados. Um gestor eficaz é aquele que estabelece objetivos claros e os atinge com precisão. No entanto, quando olhamos para as campanhas eleitorais e, mais tarde, para as leis orçamentárias, percebemos que muitos municípios não possuem metas concretas. Essa ausência de direcionamento claro é alarmante, pois, sem metas, é impossível avaliar se estão no caminho certo. Quando não há objetivos definidos, o debate público se perde e a gestão pública se torna dispersa e ineficaz.

A efetividade é a capacidade de gerar impacto, de fato, na vida das pessoas. Outro ponto nevrálgico, pois sem objetivos bem traçados, não há como medir se o uso dos recursos está trazendo benefícios reais para a população. Um gasto público que não gera resultados palpáveis é um desperdício, por mais eficiente que seja na execução.

Diante desse quadro, é necessário que a sociedade cobre um novo pacto de governança nas eleições municipais. O compromisso com a transparência, a responsabilidade fiscal e a qualidade do gasto público devem ser centrais no debate eleitoral. Prefeitos que assumam o mandato em 2025 devem ser pressionados a adotar uma gestão pautada em metas claras e mensuráveis, que busquem não apenas cumprir as exigências mínimas da legislação, mas efetivamente melhorar a vida das pessoas.

Os eleitores têm o poder de exigir uma mudança nesse ciclo vicioso de má gestão e ineficiência, basta optarem por candidatos que entendam a diferença entre eficiência, eficácia e efetividade e que estejam comprometidos em utilizar os recursos públicos de maneira responsável.


quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Méritos da educação pública

Estamos em uma época do ano em que os holofotes se voltam para os resultados das avaliações da educação básica, e é inegável que muitos municípios brasileiros têm razões para comemorar. Entretanto, não podemos ignorar que essa celebração acontece em um momento de intensa movimentação política, em plena campanha para as eleições municipais. Isso, inevitavelmente, levanta uma questão crítica: estamos testemunhando uma verdadeira valorização da educação ou apenas mais um capítulo de oportunismo e sensacionalismo?

É importante reconhecer que os avanços na educação municipal são frutos de esforços contínuos e persistentes. Contudo, à medida que os políticos locais, muitos deles candidatos à reeleição ou apoiadores de aspirantes ao cargo, começam a utilizar esses resultados como bandeiras de campanha, somos levados a questionar a autenticidade dessas narrativas. É tentador para os gestores públicos apresentarem os bons resultados como uma conquista pessoal, um troféu a ser exibido durante os debates e nas propagandas eleitorais. Porém, essa visão é, no mínimo, simplista.

Os verdadeiros responsáveis pelos avanços na educação municipal são os professores, os coordenadores pedagógicos, os diretores de escola e todos os profissionais que estão na linha de frente do processo educativo. São eles que enfrentam os desafios cotidianos, que lidam com as limitações estruturais e orçamentárias e que se dedicam com afinco ao desenvolvimento intelectual e humano das crianças. Quando os resultados são positivos, é a esses profissionais que devemos render os maiores elogios. A eles pertence o mérito das conquistas alcançadas.

Não há como desconsiderar o papel fundamental dos trabalhadores da educação, que têm se mostrado incansáveis na busca pela melhoria contínua. É preciso lembrar que, por muito tempo, as escolas públicas foram alvo de preconceito e descrédito. Muitos pais, temerosos pela qualidade da educação oferecida, preferiam buscar alternativas no setor privado. Hoje essa realidade começa a mudar, e não é sem razão que há cada vez mais confiança na educação municipal. As escolas têm melhorado suas infraestruturas, e o corpo docente tem se qualificado continuamente, em parte graças ao piso nacional do magistério, que trouxe mais estabilidade e atratividade para a carreira.

O que se vê agora é o resultado de um trabalho coletivo e comprometido, mas também é fruto de políticas públicas que, quando bem implementadas, criam as condições necessárias para que esses profissionais possam exercer seu trabalho com excelência. No entanto, não podemos ignorar o tom sensacionalista que permeia muitos dos anúncios feitos por prefeitos e outros gestores públicos. Em tempos de eleição, a dosagem das palavras e a ênfase exagerada nos supostos méritos pessoais muitas vezes beiram o absurdo. A tentativa de colar os resultados das avaliações na imagem de candidatos é desrespeitosa com aqueles que verdadeiramente fizeram a diferença.

É preciso que a sociedade reconheça o valor dos educadores e mantenha um olhar crítico sobre as narrativas que nos são apresentadas. A educação pública de qualidade é um direito de todos e uma obrigação do Estado, mas sua construção diária é obra de muitos, e não de um só. Os gestores têm, sim, um papel importante, mas ele deve ser o de facilitador, criando as condições ideais para que a educação floresça. A verdadeira liderança está em reconhecer o valor do coletivo, em apoiar e fortalecer quem está na linha de frente, e não em se apropriar dos méritos alheios.


quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Prometendo o impossível

À medida que as propagandas eleitorais gratuitas se aproximam, uma verdadeira enxurrada de candidatos a vereadores emerge nos mais de 5.500 municípios do país, todos prontos para mostrar ao eleitorado suas propostas. No entanto, uma análise crítica revela que muitos desses candidatos parecem ter se equivocado quanto ao cargo que almejam. Ao invés de focarem nas funções típicas do legislativo municipal, que são legislar e fiscalizar, a maioria já começou a atuar como prefeitos em suas campanhas, propondo projetos que não têm qualquer aderência com a função que pretendem ocupar.

Nas redes sociais, onde a campanha já está a pleno vapor, vemos uma avalanche de promessas que, ao invés de remeterem à função de vereador, mais parecem planos de governo municipal. Muitos candidatos, por exemplo, se comprometem a pavimentar ruas, criar bolsas auxílio, contratar mais médicos, construir creches e escolas, ou mesmo ampliar o transporte coletivo. São propostas que, sem sombra de dúvida, encantam o eleitorado, mas que revelam uma falta de entendimento sobre as reais atribuições do cargo.

Vamos ser claros: o vereador não tem poder para realizar tais ações. Esses são atos administrativos exclusivos do poder executivo, ou seja, do prefeito. O verdadeiro papel de um vereador é legislar, fiscalizar e, com igual importância, auscultar a sociedade para identificar suas necessidades e elaborar indicações de políticas públicas ao executivo municipal. Isso significa propor, discutir e votar leis que sejam de competência municipal, acompanhar de perto as ações do executivo e garantir que o prefeito cumpra suas funções e gerencie o orçamento com responsabilidade.

No entanto, quando se observa o discurso da maioria desses candidatos, o que se vê é um descolamento quase total dessas funções. Um candidato a vereador deveria estar propondo fiscalizar a aplicação do dinheiro público, exigindo transparência e eficiência nos gastos com saúde, educação, segurança pública, urbanismo, entre outros. E, ao mesmo tempo, deveria ser um canal ativo entre a população e o executivo, elaborando e apresentando indicações que reflitam as reais demandas da comunidade. No entanto, o que mais se ouve são propostas de “vou trazer a escola que você precisa”, “vou asfaltar sua rua”, ou ainda “vou construir um novo posto de saúde”.

Há, evidentemente, uma enorme necessidade de modular o discurso desses candidatos, afinal, o que a população espera dos vereadores é que eles sejam fiscais do poder executivo, que cobrem eficiência dos prefeitos, e que também sejam representantes atentos às demandas populares, capazes de elaborar indicações eficazes para o executivo. Em outras palavras, as cidades não precisam de 10, 12, 14 ou mais “prefeitos” disfarçados de vereadores, mas de legisladores competentes e atuantes que cumpram com suas reais atribuições.

Esse cenário está longe de mudar. Com a proliferação de candidaturas e a pulverização de promessas mirabolantes, é provável que continuemos a assistir a essas práticas. O eleitor, por sua vez, fica à mercê de escolher entre propostas vazias e promessas inalcançáveis, sendo vítima de uma política que se retroalimenta de sua própria ineficácia. Cabe aos eleitores ficarem atentos e não se deixarem enganar por promessas grandiosas e irreais. Lembrem-se de que o papel do vereador é muito diferente, mas extremamente importante, e que é justamente na fiscalização, na boa legislação e na representação ativa das necessidades da sociedade que reside a força de um bom parlamentar.


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A festa das emendas

Recentemente, os noticiários foram dominados por uma disputa intensa entre o STF e o Congresso Nacional devido a decisões relacionadas à utilização e ao pagamento de emendas parlamentares. Deputados e senadores sempre consideraram as emendas parlamentares como uma ferramenta importante para atender suas bases eleitorais. No entanto, em uma decisão individual, conhecida como monocrática, o ministro Flávio Dino suspendeu o pagamento das emendas até que fossem estabelecidos critérios de transparência e rastreabilidade.

As emendas parlamentares são instrumentos que permitem aos deputados e senadores destinar recursos do orçamento federal para projetos específicos em suas bases eleitorais ou áreas de interesse. Até o ano de 2015, cada deputado e senador tinha uma cota individual de emendas. Em 2015, se tornou obrigatória a execução das emendas individuais ao orçamento, dentro de certos limites e critérios, o que ficou conhecido como “orçamento impositivo”. Essa mudança garantiu que uma parte do orçamento federal seja executada conforme as prioridades indicadas pelos parlamentares, sem que o Poder Executivo possa contingenciar esses recursos, exceto em casos específicos previstos na legislação.

De lá para cá, as características das emendas passaram por transformações significativas, culminando no que ficou conhecido como “orçamento secreto”, em que não se sabia quem indicava as emendas e para onde iam os recursos. Em seguida, foi criado outro tipo de emenda, apelidada de “emendas PIX”, em que os recursos eram destinados a um município ou estado, mas sem que fossem identificados os patrocinadores das emendas, nem os valores e beneficiários. Além disso, os recursos não tinham um destino pré-definido, permitindo que o beneficiário os utilizasse como bem entendesse.

Na realidade, tanto as emendas anteriores a 2015 quanto os tipos de emendas que surgiram depois se caracterizam como uma grande distorção criada pelos nossos agentes políticos. Vivemos em um regime presidencialista, e a Constituição Federal deixa claro que os recursos arrecadados pelo Poder Executivo devem ser aplicados em programas e ações previamente aprovados. No caso das emendas, o Poder Legislativo se apoderou de uma parte do orçamento — mais precisamente, de um quarto dos recursos livres — e decide como aplicá-los sem regras de isonomia e, o que é pior, sem transparência.

Antes, quando ouvíamos falar de emendas parlamentares, imaginávamos que resultariam em obras; agora, no entanto, já existem emendas destinadas ao custeio, o que é uma anomalia, uma aberração. O ministro Flávio Dino acertou ao barrar a “festa das emendas” e forçar uma discussão mais séria e efetiva. Da forma como as emendas estavam sendo aplicadas, não podiam ser classificadas como política pública. Era possível, por exemplo, uma cidade precisar de um posto de saúde, e o deputado enviar recursos para construir uma nova escola. As prioridades não eram respeitadas. Atualmente, nem isso acontece: o dinheiro vai para os redutos eleitorais de deputados e senadores sem que se observem critérios de eficiência no gasto público.

Enquanto muitas localidades receberam recursos em abundância, outras ficaram em completa penúria. O modelo de emendas é perverso e distorcido e deveria ser totalmente abolido. No entanto, não acredito que isso acontecerá, pois os agentes políticos provavelmente irão encerrar essa discussão sem grandes mudanças, e a população continuará vendo o dinheiro arrecadado sendo aplicado sem eficiência, sem eficácia e sem efetividade.