quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Estrela guia

A culpa pelas crises vivenciadas pela economia brasileira nos últimos 40 anos é do próprio governo. Também podemos personificar essa culpa nos agentes políticos que estiveram no comando do país nesse período. Infelizmente, essa prática ecoou para os municípios brasileiros. A estratégia principal desses agentes políticos foi (e ainda é) vender uma narrativa de que com a ampliação dos gastos públicos, sem preocupação com o equilíbrio fiscal, é possível alavancar o desenvolvimento econômico. Isto foi copiado por estados e municípios que se levaram pelas ações do governo federal, como se fosse a sua estrela guia, a sua Aldebaran.

Aldebaran é a estrela mais brilhante da constelação de Touro e sempre foi um ponto de referência no céu noturno, guiando navegadores e curiosos. Sua luminosidade constante contrasta com a escuridão se destacando em meio ao caos. No Brasil, entretanto, Aldebaran poderia ser uma metáfora para a ilusão fiscal que brilha intensamente nas promessas políticas, mas que, quando observada de perto, revela um vácuo de soluções reais para os desafios econômicos do país.

As correntes ideológicas que defendem a ampliação do espaço fiscal para gastos públicos são como seguidores de um falso Aldebaran. Elas acreditam que, ao aumentar os gastos públicos, resolverão problemas históricos sem considerar o desequilíbrio monetário que essa estratégia provoca. O Brasil insiste em um ciclo vicioso de crises ao tentar privilegiar o fiscal sem antes estabilizar o monetário. É como querer construir um prédio de vários andares em um terreno arenoso, sem alicerces sólidos.

A culpa dessas crises não está em fatores externos ou em inimigos invisíveis, mas no próprio governo e em seus agentes políticos. São eles que, movidos por interesses eleitorais e visões de curto prazo, adotam medidas populistas, elevam gastos sem critério e negligenciam o impacto dessas decisões sobre a sustentabilidade fiscal. Esse é um problema que transcende partidos e ideologias, sendo uma constante na história da administração pública brasileira.

E não se trata de uma prática exclusiva do governo federal. Estados e municípios também sofrem do mesmo mal. Basta olhar para os incontáveis municípios em condições financeiras precárias. Essas localidades são vítimas da gestão irresponsável de prefeitos que, ao longo dos anos, priorizaram obras eleitoreiras, aumentaram a folha de pagamento com cargos comissionados e gratificações e definiram despesas que em nada contribuíram para a melhoria da qualidade de vida dos munícipes. O resultado é um círculo vicioso de dívidas e serviços públicos de baixa qualidade.

O ano de 2025 marcará o início de um período desafiador para as finanças públicas brasileiras. As crises fiscais serão frequentes, reflexo de décadas de má gestão e de um modelo de Estado que gasta muito e gasta mal. O abrandamento dessas crises não ocorrerá com soluções mágicas ou com mais endividamento. A verdadeira saída exige coragem para fazer aquilo que, no Brasil, parece um tabu: cortar despesas públicas desnecessárias e revisar as vinculações constitucionais que engessam o orçamento.

Reduzir gastos não significa enfraquecer o Estado, mas torná-lo mais eficiente. Trata-se de eliminar desperdícios, focar em políticas públicas que gerem resultados concretos e criar um ambiente favorável para o crescimento econômico sustentável. Aldebaran continuará brilhando no céu, mas cabe aos gestores brasileiros escolherem se querem seguir uma luz verdadeira ou se preferem se perder na escuridão das ilusões fiscais.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Quando a mentira vira verdade

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Essa frase é frequentemente atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista e um dos principais articuladores da máquina de manipulação de Hitler. Ela sintetiza a estratégia de distorção da informação empregada pelo regime nazista para influenciar a opinião pública e consolidar seu poder. A mesma lógica pode ser observada nas atuais ondas de desinformação, cujo objetivo é propagar as chamadas “fake news”.

Nem sempre é fácil identificar a origem das falsas narrativas, mas elas existem e, com as redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, a propagação dessas mentiras passou a ocorrer rapidamente. Um exemplo recente que pode ser destacado é a desinformação em torno da ação da Receita Federal relacionada ao monitoramento do PIX para identificar e analisar transações superiores a R$ 5 mil.

A narrativa construída sugeria que essa modalidade de pagamento seria taxada e que haveria uma invasão de privacidade. Trata-se de uma grande onda de desinformação com objetivos incertos. Se as pessoas refletirem um pouco, perceberão que não há qualquer invasão de privacidade, uma vez que a Receita Federal já tem acesso às informações financeiras de pessoas e empresas por meio de dados autodeclarados através das declarações de rendimentos.

Não obstante à nossa entrega regular de informações, a Receita Federal também tem acesso a todas as transações vinculadas aos CPFs das pessoas e aos CNPJs das empresas. No entanto, as narrativas construídas em bastidores obscuros ganharam força e foram amplificadas por figuras públicas que, até pouco tempo atrás, poderiam ser consideradas inteligentes e esclarecidas.

Poucos parecem ter refletido sobre o fato de que é função da Receita Federal fiscalizar pessoas e empresas e que trabalhadores assalariados e empresários honestos declaram seus rendimentos e pagam os impostos devidos. Esses contribuintes não têm como “escapar” do fisco. Já aqueles que conseguem omitir renda por meio de transações financeiras disfarçadas deixam de pagar os tributos devidos e, consequentemente, não contribuem para o financiamento da saúde, da educação e da segurança pública.

Também não se leva em consideração que algumas pessoas que não declaram seus rendimentos, além de não contribuírem para o financiamento das políticas públicas, podem estar movimentando recursos provenientes do crime organizado. Em outras palavras, pode-se dizer que aqueles que sonegam informações e impostos acabam, direta ou indiretamente, financiando a insegurança pública.

E temos exemplos dessas práticas quase diariamente. Recebemos diversos vídeos por meio de aplicativos de mensagens, cujo objetivo é propagar desinformação — e eles são facilmente identificáveis. Sempre que uma mensagem começar com um apelo para que seja compartilhada rapidamente, desconfie. Reflita sobre a informação. Analise se ela faz sentido. Com essas práticas simples, podemos minimizar os impactos das chamadas “fake news”.

Essas práticas não se restringem a eventos e notícias de âmbito nacional. Também ocorrem nos municípios. Pessoas mal-intencionadas “plantam” narrativas falsas para disseminar desinformação e criar um caos inexistente. A receita para combater essas práticas é simples: agir com honestidade e buscar ler e compreender todos os eventos antes de aceitá-los como verdade. Assim, podemos construir um ambiente mais harmonioso, com menos mentiras sendo propagadas. Afinal, quem as criam não buscam benefícios coletivos. Só querem criar o caos.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Futuro comprometido

O Senado Federal aprovou recentemente um projeto de lei que trata da renegociação das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União. O projeto cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) e estima-se que as dívidas estaduais somem aproximadamente R$ 760 bilhões, que poderão, conforme previsto no projeto, ser parceladas em até 30 anos (360 meses), com juros reduzidos.

O problema do endividamento é muito grave e deve ser analisado e acompanhado com cautela. Refiro-me ao conceito de forma abrangente, e não aos casos específicos dos estados e do Distrito Federal. Cada pessoa deve se preocupar com sua respectiva capacidade de endividamento e, consequentemente, com sua capacidade de pagamento. Se uma pessoa, empresa ou entidade possui um alto nível de endividamento, está reduzindo sua capacidade de arcar com despesas correntes, aquelas relacionadas ao dia a dia.

No estudo da macroeconomia, aprendemos que o endividamento no presente representa uma renúncia ao consumo futuro. Isso ocorre porque, quando chegar o momento de pagar a dívida em um período futuro, mantendo-se a receita ou a renda real, será necessário reduzir o consumo para quitá-la. Esse conceito é básico. Por essa razão, é muito comum que os trabalhadores utilizem o décimo terceiro salário e o abono de férias para quitar algumas dívidas.

Este é um assunto que deve ser observado, analisado e tratado por toda a sociedade. O empregador deve se preocupar com o endividamento de seus funcionários, pois isso pode afetar o emocional deles e interferir em seu desempenho. Da mesma forma, o gestor público deve se atentar ao endividamento dos servidores, o capitalista ao endividamento de sua empresa, e toda a sociedade deve se preocupar com o endividamento do setor público.

O endividamento do governo federal e sua incapacidade de pagamento geram instabilidades na economia, pressionando as taxas de juros e de câmbio para cima. Isso desencadeia uma série de reflexos negativos sobre todos os agentes econômicos, como inflação elevada, baixo crescimento econômico e níveis preocupantes de desemprego. Por essa razão, os processos de renegociação de dívidas devem ser conduzidos de forma cuidadosa e reflexiva.

A renegociação das dívidas dos estados, na forma proposta, emite um sinal aos governos de que eles podem deixar de pagar juros e aumentar seus gastos sem preocupação com a responsabilidade fiscal. A contrapartida exigida de todos os devedores que renegociam suas dívidas deveria estar relacionada à melhoria na qualidade dos seus gastos. No caso do setor público, seria necessário exigir a redução dos benefícios tributários concedidos a setores específicos, a realização de reformas administrativas e previdenciárias, além de propor o fim dos supersalários na administração pública, um problema recorrente em todos os níveis.

A renegociação de dívidas públicas não pode ser apenas uma medida para alongar os prazos de pagamento e permitir gastos no presente sem preocupação com o futuro. É fundamental que ela exija contrapartidas efetivas para estabilizar o crescimento da dívida. Essa responsabilidade deve ser assumida por todos os agentes econômicos, em todos os níveis, sem privilégios para agentes públicos e políticos. Afinal, eles passam, mas é a sociedade que fica com a pior parte: o pagamento. Empurrar o pagamento das dívidas para o futuro é um reflexo claro da irresponsabilidade fiscal de muitos gestores públicos, que priorizam o aumento imediato dos gastos sem considerar suas consequências para a sociedade.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Suscitações e desafios econômicos

O ano de 2025 já começou, e as perspectivas econômicas não são nada animadoras. A conjuntura se apresenta desafiadora, marcada por inflação persistente, câmbio pressionado, endividamento público elevado e um crescimento econômico insuficiente para atender às demandas de uma sociedade cada vez mais desigual. Superar esses desafios exigirá assertividade por parte das autoridades econômicas e uma transformação na forma como o setor público planeja e executa suas ações.

A inflação, deverá fechar 2024 em torno de 4,9% e deverá permanecer elevada, aproximando-se de 5% ao longo de 2025. Ainda mais preocupante é a inflação dos alimentos, que em 2024 chegou a 8,6% e tem previsão de 6,6% para este ano. Esses números escancaram o impacto desproporcional sobre as famílias mais pobres, para as quais o custo da alimentação consome a maior parte da renda. Neste cenário, a inação dos governos seria uma negligência imperdoável.

O câmbio, por sua vez, segue pressionado, encarecendo insumos e produtos importados, o que alimenta ainda mais a espiral inflacionária. Para conter essa dinâmica, a política monetária continuará a depender de juros básicos elevados, penalizando o crédito e o consumo. No entanto, a solução não se restringe a juros altos: o ajuste fiscal também precisa ser enfrentado com seriedade. Governos que gastam mais do que arrecadam comprometem não apenas o equilíbrio das contas públicas, mas também a capacidade de atrair investimentos, dado o aumento da percepção de risco. É preciso cortar despesas desnecessárias e aumentar a eficiência dos gastos, priorizando áreas que geram retorno social e econômico.

No entanto, mesmo com ajustes, o crescimento econômico previsto para 2025 deverá ser pífio. O PIB deve avançar de forma simbólica, insuficiente para gerar empregos em escala significativa ou melhorar a renda da população. A situação se torna ainda mais grave diante da baixa atratividade do país para investimentos estrangeiros. Sem reformas estruturais e segurança jurídica, o Brasil continuará sendo uma promessa não cumprida para o capital internacional.

Com esse cenário, o papel do setor público se torna central, mas também exige uma mudança de paradigma. O planejamento, tão negligenciado em muitas administrações, precisa ser encarado como prioridade. Governos precisam abandonar o improviso e adotar práticas modernas de gestão, com metas claras, indicadores de desempenho e transparência. A máxima da economia — recursos escassos versus necessidades ilimitadas — nunca foi tão atual, especialmente nos municípios, onde a má gestão foi a regra e não exceção.

É preciso repensar a lógica do gestor político que prioriza emendas parlamentares e interesses eleitorais imediatos em detrimento de políticas públicas estruturantes. Essa prática perpetua o abismo social e mantém o país refém de um ciclo de ineficiência e desigualdade. Planejamento sem ação é inútil, e ações sem planejamento são desastrosas. Precisamos romper com essa inércia.

A busca pela eficiência não é apenas uma necessidade, mas uma obrigação ética. Governos precisam investir em tecnologia e capacitação, eliminar desperdícios e adotar modelos que valorizem resultados. Cada real desperdiçado é uma oportunidade perdida de melhorar a vida de milhões de brasileiros. O ano de 2025 será um ano de provações, mas também de oportunidades. A crise pode ser um momento de transformação. Cabe aos gestores públicos abandonar a mediocridade administrativa e enfrentar os desafios com planejamento, coragem e responsabilidade.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Do hospital ao palanque

Lula sofreu um acidente doméstico, passou mal e precisou se submeter a um procedimento cirúrgico de urgência. Recebeu alta e, no mesmo dia, concedeu uma entrevista exclusiva que deveria ter como foco principal sua saúde, mas ele acabou extrapolando, como de costume. É praticamente impossível que agentes políticos tradicionais, como Lula, se limitem a tratar apenas de temas específicos. Mais uma vez, ele aproveitou a oportunidade para exaltar as medidas de seu governo e tecer críticas contundentes ao aumento dos juros promovido pelo Banco Central.

Como se não bastasse o excesso de presunção sobre a eficácia, eficiência e efetividade de seu governo, ele também criticou o mercado, afirmando que não é o mercado que deve se preocupar com os gastos do governo, mas sim o próprio governo. Esse outro discurso ácido do presidente tentava justificar o desequilíbrio nas contas públicas, ao sugerir que a preocupação deve ser dele e de mais ninguém.

Pois bem, as coisas não são tão simples assim. Lula perdeu uma ótima oportunidade de se limitar ao tema da entrevista, sem se aventurar a explicar questões técnicas. Ele chegou a se vangloriar das condições em que entregou o governo à sua sucessora e prenunciou que fará o mesmo desta vez. Novamente: as coisas não são tão simples assim.

Embora ele tenha muita experiência política e de vida, e seja inegável que os governos Lula I e II terminaram com crescimento vigoroso e inflação controlada, o que ele não deixou claro é que essa condição não foi alcançada exclusivamente pelas políticas públicas de seu governo. Na verdade, ela foi impulsionada pelo boom das commodities, pela robustez das exportações e pelos grandes investimentos internacionais, motivados pelas condições conjunturais favoráveis da economia global, e não necessariamente pela ação efetiva do governo. Logo após o fim de seu segundo mandato, tivemos os efeitos da crise financeira internacional, que Lula minimizou chamando de “marola”, além do início dos impactos negativos do aumento dos gastos públicos.

O governo Lula III não teve a mesma sorte dos dois primeiros e não assumiu o país em condições tão favoráveis. Não há um novo boom das commodities, as contas públicas estão fortemente desequilibradas, e o governo federal “entregou” boa parte dos recursos orçamentários aos parlamentares por meio das emendas impositivas e discricionárias.

Na narrativa de Lula, há uma tentativa de insinuar que o tal “mercado” é a união de capitalistas que querem se aproveitar do governo e dos mais necessitados. Trata-se de mais um ensaio de induzir as pessoas ao erro. O mercado nada mais é do que um conceito abstrato onde as forças de oferta e demanda interagem. Se a referência for ao mercado financeiro, então se está falando da interação entre as forças de oferta e demanda por produtos financeiros. O que ele não menciona é que os agentes econômicos que ofertam e demandam esses produtos são as pessoas, as empresas, o próprio governo e o setor externo, ou seja, todos.

Quando as expectativas em relação aos fundamentos da economia pioram, isso ocorre devido à redução da confiança de todos os agentes econômicos, e não apenas dos banqueiros que Lula tanto critica. É preciso haver transparência e maior equilíbrio nas posições públicas dos nossos agentes políticos. Não podemos mais assistir à deterioração da nossa economia sem questionar. Se as coisas não estão indo bem, a culpa não é do tal “mercado”, mas do governo, que permite que a situação se agrave sem agir de forma efetiva, eficiente e eficaz.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O preço da improvisação

Planejar é um ato de responsabilidade. Parece uma frase simples, mas seu significado ganha dimensões extraordinárias quando falamos do setor público. A execução de políticas e obras públicas sem o devido planejamento é a raiz de muitos problemas que poderiam ser evitados com um pouco de previsão e competência. A verdade é que, quando uma coisa é malfeita, o custo é sempre mais alto, estraga logo e o contribuinte é quem paga a conta.

Imagine a situação de um município que, num gesto apressado e sem consulta a especialistas, decide construir um prédio público ao lado de uma nascente. Logo podem surgir infiltrações, o solo ceder, e as condições de trabalho se tornarem insalubres. O custo para reparar a estrutura pode superar o valor inicial da obra. Tudo isso pode ser evitado com um estudo de solo e a escolha adequada do local, sem falar em questões ambientais. O custo da improvisação recai sobre todos.

A falta de planejamento também se reflete em compras públicas equivocadas. Há casos de gestões que, em um momento de “entusiasmo administrativo”, adquirem quantidades desproporcionais de medicamentos, sem considerar a validade ou o real consumo. Meses depois, centenas de caixas são descartadas por terem vencido. É dinheiro público jogado no lixo, literalmente.

E por que esses erros acontecem? Em boa parte, pela inexistência de um setor de planejamento bem estruturado. Contudo, a origem mais profunda está na cultura de muitos gestores que não reconhecem a necessidade de planejar. Muitos acreditam que o setor público deve operar como uma extensão de suas vontades ou visões pessoais, ignorando a importância de consultar técnicos qualificados. Planejamento não é um luxo, é uma necessidade para a gestão.

Há gestores que, por inexperiência ou arrogância, insistem em decidir sozinhos. Um professor, por mais capacitado que seja, não pode ditar as prioridades de um hospital sem compreender as nuances do sistema de saúde. Da mesma forma, um médico não deveria assumir o planejamento de uma escola. Cada setor possui suas peculiaridades, suas demandas e, mais importante, suas soluções específicas. A interdisciplinaridade é o que garante a eficácia e a eficiência das ações.

A falta de humildade para reconhecer limitações é um dos grandes males de algumas gestões. Muitos gestores preferem se cercar de pessoas que reforcem suas opiniões ao invés de formar equipes técnicas que questionem, proponham soluções baseadas em evidências e, sobretudo, planejem. Quando as decisões públicas são baseadas apenas em impulsos ou em sonhos pessoais, as chances de fracasso são altíssimas. E, quando o fracasso ocorre afeta toda a população que depende dos serviços públicos.

Planejar é também um ato de respeito ao cidadão. Cada recurso gasto é fruto do trabalho de milhares de pessoas que pagam seus impostos e esperam que eles sejam utilizados de maneira racional e eficiente. Quando há planejamento, as ações públicas se tornam sustentáveis, os erros são minimizados, e os benefícios são amplificados. Mais do que isso: o planejamento cria um ciclo virtuoso de confiança entre a população e o governo.

Na gestão, independentemente de ser pública ou privada, não há espaço para improvisações ou amadorismos. Planejar não é sinônimo de lentidão, mas de sabedoria. Há uma frase atribuída a Benjamin Franklin que diz: “Ao falhar em se preparar, você está se preparando para falhar”. Que possamos aprender com os erros e construir um setor público pautado no planejamento, na responsabilidade e no respeito à população.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A falácia dos ajustes

Tenho participado de conversas e debates com economistas e empresários sobre as recentes propostas do governo federal para ajustar as contas públicas. Muitas pessoas talvez não compreendam plenamente as implicações de o governo gastar mais do que arrecada. Trata-se de uma situação semelhante à de quem gasta além de sua renda: acaba se endividando e perdendo credibilidade junto a credores e fornecedores.

No caso do governo federal, o déficit recorrente contribui para o aumento da inflação pelo lado da demanda, além de elevar o risco-país, o que resulta em um prêmio de risco maior para o endividamento. Isso, por sua vez, leva a um aumento dos juros básicos da economia. Essa combinação pode desacelerar o nível de atividade econômica, com reflexos diretos no mercado de trabalho.

A situação do governo federal não é nada boa. O controle do orçamento foi, em grande parte, transferido para deputados e senadores, que detêm o poder de determinar como e onde será aplicada uma parcela significativa dos recursos por meio das emendas impositivas. Essas emendas não deveriam existir na dimensão que atualmente possuem. Por outro lado, são amplamente comemoradas por prefeitos e governadores. Contudo, é necessário questionar a eficácia, a efetividade e a eficiência na aplicação dos recursos provenientes dessas emendas.

O governo federal aprovou o novo arcabouço fiscal e se comprometeu a alcançar uma meta de resultado primário zero, ou seja, não registrar déficit primário. Contudo, a norma permite um limite inferior da meta, que admite um déficit primário de até R$ 28,7 bilhões. Apesar disso, as estimativas do Tesouro Nacional indicam um déficit primário de R$ 65,3 bilhões. Um absurdo. Diante desse cenário, a “luz vermelha” da equipe econômica foi acionada, e começaram os esforços para tentar equilibrar as contas. Para a surpresa de ninguém, o governo já sinaliza cortes de gastos que, como de costume, impactam a população em geral.

Além da evidente desorganização do governo federal, enfrentamos a atuação dos congressistas da extrema direita, que fazem uma oposição feroz e estão se mobilizando para apresentar uma proposta alternativa de ajuste fiscal. O principal ponto dessa proposta é a desindexação das aposentadorias, pensões e benefícios sociais ao salário-mínimo. Mais uma medida de ajuste que, como de praxe, recai sobre a população em geral.

As únicas alternativas que nossos agentes políticos parecem encontrar para cortar despesas impactam diretamente a população: ora com a redução de direitos sociais, ora com a diminuição dos serviços prestados. Em nenhum momento, porém, se discute a redução do valor das emendas impositivas para melhorar o direcionamento das políticas públicas. E, mais importante, ninguém debate a necessidade de melhorar a eficiência do gasto público.

É imperativo que nossos agentes políticos abandonem a comodidade de soluções paliativas e criem coragem para enfrentar o verdadeiro desafio: melhorar a eficiência do gasto público. Antes de propor medidas que penalizam a população, como cortes em direitos sociais e serviços essenciais, é necessário um esforço vigoroso para revisar as práticas orçamentárias, eliminar desperdícios e estabelecer critérios claros e objetivos para a aplicação dos recursos. É hora de exigir que os gestores públicos enfrentem os privilégios e coloquem em prática uma governança que priorize o interesse coletivo. A verdadeira responsabilidade fiscal não deve ser um fardo exclusivo dos mais vulneráveis, mas um pacto de eficiência e justiça.


quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Um Compromisso com a democracia

Com o término das eleições municipais, os holofotes se voltam para um dos momentos mais delicados na gestão pública: a transição entre administradores. É nesse espaço entre o fim de uma gestão e o início de outra que se define a continuidade dos projetos e a qualidade dos serviços públicos. A transição é mais do que uma mera formalidade burocrática. Ela representa um gesto democrático essencial, pois garante que a população não seja prejudicada pelas mudanças políticas, assegurando que as políticas públicas não sofram interrupções e que até se rediscutam questões nevrálgicas que afetam a todos.

A transição de governo tem raízes na necessidade de proteger o bem público e garantir previsibilidade na administração, sem gerar solução de continuidade. No Brasil, a transição de governos federais, como a ocorrida entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, é um exemplo emblemático. Esse processo foi considerado um marco de civilidade e compromisso institucional, assegurando que os interesses nacionais prevalecessem sobre os partidários. Nos municípios, essa prática ganha ainda mais relevância, uma vez que a administração municipal lida diretamente com serviços essenciais à população, como saúde, educação e coleta de lixo. Não pode ser uma transição de aparência.

A ausência de uma transição adequada pode levar a paralisias desastrosas. Imagine, por exemplo, que os serviços de saúde sejam interrompidos temporariamente porque a nova gestão desconhece os contratos vigentes com fornecedores de medicamentos. Ou que uma obra de infraestrutura estratégica fique paralisada por meses até que se obtenham informações sobre o estágio do projeto e os recursos já empenhados.

É essencial destacar que a transição não se resume à análise de números e relatórios financeiros. Orçamentos e balancetes são apenas uma parte do processo. Uma transição eficaz abarca também aspectos estruturais, como a situação dos recursos humanos, o andamento dos projetos estratégicos, o número de atendimentos realizados e as fragilidades e potencialidades dos serviços. A troca de informações precisa ser completa e simétrica, abrangendo tanto o que funciona bem quanto o que demanda melhorias.

A falta de informações precisas e completas pode atrasar significativamente a retomada de ações estratégicas. Sem a continuidade adequada, há riscos de retrocessos em políticas públicas fundamentais, com impactos que demoram a ser revertidos. Essa lacuna na comunicação não é apenas um problema técnico: é uma falha política que desrespeita o pacto democrático firmado com a população.

Mais do que uma gentileza administrativa entre a gestão que sai e a que entra, a transição representa um compromisso democrático com a população. Ela é a prova de que o poder político é temporário e que a administração pública deve sempre priorizar o interesse coletivo acima das disputas eleitorais. Quando uma gestão que se despede entrega o controle de forma transparente e organizada, não faz um favor aos sucessores, mas sim àqueles que confiaram na continuidade dos serviços públicos durante todo o mandato.

Não podemos agir com impaciência, mas também não podemos nos precipitar. Assim, como a impaciência em entregar ou assumir o poder pode prejudicar, a falta de cuidado na transição pode causar danos que se arrastarão por toda a nova gestão. Portanto, o zelo com a transição não deve ser visto como um detalhe burocrático, mas como um ato de responsabilidade e respeito pela democracia e pelo bem-estar da população.


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Utopia brasileira

A recente discussão sobre a mudança da escala de trabalho de 6 por 1 para 4 por 3 no Brasil tem gerado um intenso debate sobre os impactos dessa medida em diversos setores econômicos. A revisão da jornada de trabalho pode representar um avanço social, mas, ao mesmo tempo, suscita uma série de desafios que não podem ser ignorados. 

Para os setores de serviços intensivos em conhecimento a mudança da escala de trabalho para 4 por 3 não deve causar grandes impactos, pois poderá ser compensada facilmente pelo aumento de produtividade. Por outro lado, setores como o comércio e os serviços não intensivos em conhecimento devem enfrentar mudanças significativas. Para esses segmentos, a adaptação à nova escala pode ser desafiadora. Basta que a maior disponibilidade de tempo para os trabalhadores realizarem suas atividades pessoais aqueça a demanda por produtos e serviços.

Já o setor industrial, principalmente aquele intensivo em mão de obra, será o mais afetado por essa mudança. Setores como o de confecções enfrentarão o desafio de manter seus níveis de produção com uma redução da semana de trabalho. Considerando um cenário em que uma semana de trabalho de seis dias passa a ter apenas quatro dias úteis, a necessidade de compensar essa diferença implica em um aumento de 33% na produtividade diária. Caso essa produtividade adicional não seja alcançada, as empresas precisarão contratar mais funcionários para manter seus níveis de produção, resultando em um aumento dos custos operacionais.

O repasse desses aumentos de custos para os preços finais pode ser inviável, principalmente em segmentos onde a margem de lucro já é reduzida. Nesse contexto, muitos empresários enfrentarão a difícil decisão de absorver esses custos em seus lucros, colocando em risco a sustentabilidade financeira de seus negócios. Caso essa apropriação se mostre impossível, a empresa poderá sucumbir, aumentando o desemprego e agravando os problemas sociais que já assolam o país.

Apesar desses desafios, é fundamental reconhecer que a demanda dos trabalhadores por uma jornada de trabalho mais equilibrada e menos desgastante é legítima e necessária. Melhorar a qualidade de vida do trabalhador deve ser um objetivo comum, beneficiando não apenas o indivíduo, mas toda a sociedade. Contudo, essa mudança precisa ser acompanhada de medidas que promovam o aumento da produtividade. Somente dessa forma será possível garantir que os benefícios da mudança de jornada sejam distribuídos de forma equitativa entre os trabalhadores, os empresários e o setor público. Os trabalhadores ganham uma vida mais digna, os empresários mantêm seus resultados financeiros, e o setor público, por sua vez, pode ver um incremento na arrecadação tributária derivado do aumento da atividade econômica.

De forma romantizada, a jornada de trabalho menos extenuante pode fomentar uma maior demanda por atividades de lazer e desenvolvimento pessoal, alinhando-se ao conceito do “ócio criativo” proposto pelo sociólogo italiano Domenico de Masi, em que trabalho, estudo e lazer se combinam de forma equilibrada. A mudança da escala de trabalho para 4 por 3 deve ser vista não apenas como uma concessão ao trabalhador, mas como uma oportunidade de transformar a dinâmica produtiva do país. Para que essa transformação seja positiva, é essencial que empresas, governo e trabalhadores se comprometam, primeiramente, com o aumento da produtividade. Somente assim a proposta se viabilizará. Porém, no momento, o projeto se apresenta totalmente utópico para a realidade brasileira.


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A essência de servir

Sou servidor público há 32 anos e, durante todo esse tempo, testemunhei críticas e preconceitos sobre a profissão. Dizem que é uma “casta”, que vivem em condições de luxo, com altos salários e pouco trabalho. Mas o verdadeiro significado de ser servidor público não é sobre privilégios, mas sobre servir à sociedade e contribuir para o bem comum. A função não deve ser confundida com uma busca por status ou estabilidade, mas sim com o compromisso de ajudar e apoiar a população, dia após dia.

É verdade que a média salarial dos servidores públicos é superior à média nacional. Mas isso não significa que todos estão em condições privilegiadas, a grande maioria recebe salários compatíveis com a realidade do país, especialmente em setores como saúde, educação e segurança. A ideia de que seja uma “elite” está longe de ser uma verdade para todos os servidores.

Infelizmente, parte dessa imagem negativa que a sociedade tem é alimentada por uma minoria de servidores que não honram seus compromissos. Esses são aqueles que, ao ocupar seus cargos, esquecem a verdadeira essência do serviço público: servir. São servidores que tratam o cidadão com descaso, que atendem sem empatia ou que se escondem atrás de burocracias para não resolver problemas. Por exemplo, quem já precisou de um atendimento público pode ter se deparado com o servidor que parece pensar que está fazendo um favor ao realizar suas funções, ou aquele que é constantemente evasivo e transfere responsabilidades, deixando o cidadão sem respostas. Esses comportamentos são nocivos e acabam manchando a imagem de todo o funcionalismo público.

É fundamental entendermos que ser servidor público significa estar a serviço da população. A estabilidade não deve ser vista como uma garantia de conforto ou uma desculpa para o desleixo. Ela existe para que se possa trabalhar com autonomia, livres de pressões políticas, mas isso deve vir acompanhado de responsabilidade e dedicação. A estabilidade deveria motivar a busca continua pela melhoria do serviço prestado.

Já presenciei muitos colegas que, com orgulho e dedicação, realmente fazem jus ao título de servidor público. Eles atendem cada pessoa que chega ao seu posto de trabalho com respeito, esforçando-se para resolver problemas e oferecer soluções. Esses são os exemplos que deveriam ser seguidos e que mostram o verdadeiro valor do serviço público. Mas, para cada servidor que honra seu compromisso, há também aqueles que falham em cumprir sua missão. É preciso ter coragem de identificar e corrigir esses desvios, para garantir que apenas aqueles realmente comprometidos permaneçam na função.

Defendo que o serviço público precise, sim, de mecanismos de avaliação mais rigorosos. Avaliações periódicas e objetivas podem ajudar a identificar quem está comprometido e quem não está. Aqueles que não têm empatia pela função pública, que tratam seus cargos como um direito adquirido sem qualquer responsabilidade adicional, devem ser expurgados do serviço público. A profissão não é para aqueles que querem ser servidos, mas para aqueles que querem servir.

Como disse Confúcio: “Exige muito de ti e espera pouco dos outros. Assim, evitarás muitos aborrecimentos”. Os servidores públicos devem exigir o melhor de si mesmos, lembrando que estão aqui para servir, e não para serem servidos. A população merece respeito, e o serviço que é prestado deve refletir o compromisso com cada cidadão. Afinal, é pela dedicação de cada um de nós que podemos construir um serviço público mais eficiente, digno e respeitado.