quarta-feira, 4 de agosto de 2021

A nova turma do pedal

Imaginem um cidadão que possua dívidas parceladas para pagar e resolva afirmar para seus credores: “devo, não nego e pagarei assim que puder”. As justificativas podem as mais diversas possíveis: o preço da cesta básica, do botijão de gás, a conta de energia elétrica, de água e esgoto, etc. É de se esperar que os credores não concordem com isto e o trabalhador seria negativado nas instituições de proteção ao crédito e, em alguns casos, poderia ter suas dívidas executadas na justiça. Este trabalhador não tem nenhuma forma de não pagar as contas sem sofrer sanções legais.

Já os governos podem exigir os seus recebimentos, e também podem alterar as leis para protelar o pagamento de suas obrigações. E é exatamente isto que o governo federal está querendo fazer: querem aprovar uma emenda à Constituição para não pagar o montante de precatórios previstos para o próximo ano. A simples intenção em não pagar já se caracteriza como sendo um calote, mas, na visão do ministro Paulo Guedes, seria um simples parcelamento com a justificativa de atender os desejos do presidente em aumentar o valor do Bolsa Família.

Com o aumento da inflação neste ano e com a expectativa de uma inflação maior também em 2022 se criou um “espaço” fiscal maior para o governo efetuar suas despesas sem “furar” o teto de gastos e sem incorrer em crime de responsabilidade. Entretanto, com a forma com que aprovaram as diretrizes orçamentárias para 2022 no que diz respeito ao fundo eleitoral bilionário e às emendas do relator, a margem que o governo teria para efetuar a necessária ampliação dos valores do Bolsa Família se limitam muito. Quase que se inviabilizam.

O que já foi demonstrado é que o ministro Paulo Guedes nunca teve um projeto para as finanças públicas, limitando a sua retórica a frases de efeitos. Quando surge alguma proposta de política econômica e de reforma vem sempre provocada por ações do dia-a-dia, tipo “no balanço do busão”.

Sobre os precatórios, o ministro afirmou: “devo, não nego e pagarei assim que puder”. Depois, para corrigir o seu rompante complementou que não se trata de um calote, mas de um parcelamento que objetiva pagar com o dinheiro que pretende arrecadar com o processo de privatizações. Mas a real intenção é parcelar os valores dos precatórios para serem pagos nos próximos dez anos.

Esta proposta é do que um calote, sim, pois quem tem precatórios para receber já está esperando há muitos anos. Para o governo seria uma solução muito interessante, pois criariam um espaço fiscal para ampliar o programa Bolsa Família e garantir uma melhoria na popularidade do presidente às vésperas da eleição. Porém, se combinarmos os aumentos de gastos com o financiamento das campanhas eleitorais, com as emendas impositivas por parte do relator do orçamento, mais o orçamento secreto, além do aumento das despesas por conta do aumento da inflação a conta não fecha.

O que temos pela frente é uma tentativa desesperada de resolver as questões financeiras de curtíssimo prazo sem se preocupar com o médio e longo prazo. E para isto o governo está vinculando o aumento do Bolsa Família à aprovação do parcelamento dos precatórios, o que “coloca a faca no pescoço” do Congresso. Os danos que resultarão destas ações enviesadas e atrapalhadas serão sentidos no médio prazo, ou seja, depois que se findar o próximo mandato presidencial. Na prática, o que estão querendo fazer é legalizar as novas pedaladas do governo federal e jogar a conta para a sociedade pagar com juros e correção monetária lá na frente.


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